sábado, 25 de janeiro de 2020

Spidsbergen - Quando a Curiosidade Dá Muito Trabalho



Tudo começou há algum tempo atrás, por volta de 1988, quando ganhei uma coleção de cartões postais (cerca de 1.200) dos mais diversos lugares do mundo postados nos anos de 1912 a 1914, essa coleção era de propriedade do Dr. Humberto Chaves, advogado já falecido na época e profundo conhecedor da língua Esperanto.

Manuseando os cartões eis que me deparo com um selo completamente desconhecido, selo de Spidsbergen, jamais havia visto ou ouvido algo sobre esse lugar. Recorri ao Yvert e Tellier, apesar de meus esforços não consegui classificá-lo, no entanto no “The Stamp Collector’s Encyclopedia” (R.J.Sutton) descobri uma referência sobre a história e os selos de Spidsbergen.

Com a curiosidade aguçada fui aos poucos procurando e recolhendo as informações que encontrava em várias publicações e textos esparsos, até que encontrei as publicações relacionadas que muito me auxiliaram a montar este artigo.



SVALBARD / SPIDSBERGEN
História e Selos

Arne J. Bay - Early Postal History of Spitsbergen
Fred Goldberg - Serviço Postal Norueguês 100 anos em Svalbard
Dr. Reinhard Meyer
John T. Reilly – Greetings from Spitsbergen
Katalog over Norsk Lokalpost og annen Privatpost
Adaptação para a língua portuguesa - Carlos Alberto T. Coutinho


O nome Spidsbergen (também chamado Spitzbergen, Spitsbergen, Spytzbergen e atualmente Svalbard), refere-se a um arquipélago a cem milhas a norte da costa da Noruega, cujas principais ilhas são: West Spitsbergen, Barentzland, Edge Island, Prince Charles Foreland, North East Land e Wyches Islandes. Juntamente com Bear Island (ilha Urso) que fica mais ao sul.

Conforme documentos de 1194 (Annals Icelandic) o nome Svalbard, interpretado como "terra com as costas frias", é mencionado pela primeira vez no texto "Descoberta de Svalbard". Não se sabe exatamente quando Spidsbergen foi explorado pela primeira vez, já que podemos encontrar evidências de que Vikings da Noruega colonizaram a Islândia no final do século IX, e no decorrer dos quatro séculos seguintes estabeleceram rotas para o mar branco; descobriram a Groenlândia, atingiram o litoral da América do Norte e, provavelmente, Spidsbergen e Novaya Zemlia (Nova Zembla) não deixando a certeza de ser a mesma área geográfica de hoje. Porém a descoberta (oficial) foi realizada em 1596, pelo navegador holandês William Barents quando com dois navios, comandados por Jan Corneliszoon Rijp e Jacob van Heemskerke fizeram uma nova tentativa de encontrar um caminho para a China, velejando para o norte até o ártico e daí para leste, sem passar pelo Oceano Índico onde operavam os portugueses, seus inimigos.

Os dois capitães eram experientes e contavam com a companhia do homem que conhecia muito bem essa área, Willem Barents. Durante a viagem observaram uma nova terra de paisagem montanhosa com muitos picos afiados e separados por geleiras a qual chamaram Spitzbergen, como não encontraram nenhum traço de seres humanos reivindicaram a posse da terra para a Coroa Holandesa. Com o gelo impedindo de navegar rumo norte manobraram para passar pelo ponto noroeste desta terra.

Neste ponto os barcos que formavam a expedição se separaram, Heemskerke e Barents ancoraram em Novaya Zemlya (Nova Zembla) onde poderiam permanecer durante o inverno, foi um inverno rigoroso e acabaram ficando presos no gelo que começou a esmagar a embarcação. Com partes desmontadas do navio e madeiras flutuantes vindas dos rios da Sibéria, construiram uma cabana onde passaram o resto do inverno, no entanto conservaram dois botes de serviço e no verão seguinte conseguiram chegar, utilizando vela e remos, a Kola (um posto de comércio russo perto do atual Murmansk), onde outro navio holandês recolheu os sobreviventes já que alguns exploradores morreram e entre eles Barents que morreu de escorbuto.

Com o anúncio da nova descoberta cerca de 1000 exploradores holandeses e britânicos foram enviados por seus governos e como os holandeses era maioria, isto fez com que logo proclamassem como de sua propriedade e permanecessem em Smeerenburg e Amsterdam Island.

Com a descoberta pelos europeus de que as águas em torno de Spidsbergen eram muito ricas em baleias começou um período de grande atividade de caça e pesca ao longo da costa ocidental que durou até a metade do século XVII, nessa época, a população de baleias e morsas foi drasticamente reduzida e quase extinta pela grande quantidade que foi caçada. Durante o começo do século XVIII, com o declínio da caça à baleia, começou a colonização com grandes atividades de caça.

Eram caçados principalmente morsas, focas, renas de Svalbard, ursos polares e raposas árticas. Para ser um caçador bem sucedido tinha de passar os invernos ali e muitos caçadores morreram devido ao escorbuto e a vida muito dura.

Em 1790, a primeira grande expedição de caça norueguesa foi equipada e partiu de Tromso, mas teve de retornar por causa das condições do gelo. Em 1795, uma nova expedição foi estabelecida e partiu de Hammerfest com 15 caçadores de baleias (4 russos e 11 noruegueses). Esta expedição caçou na região de Spidsbergen e a grande atividade destes caçadores chamou a atenção para as ilhas.

Durante a segunda metade do século XIX o arquipélago se transformou numa área muito popular, importante para a pesquisa científica, especialmente a geologia e as ciências naturais porque não tendo nenhuma floresta ou árvore é muito fácil estudar as formações geológicas, muito ricas, de todas as idades.

Muitas tentativas de alcançar o polo norte criaram uma grande curiosidade em muitos países. Já em 1881 pequenas expedições turísticas começaram a visitar as costas de Spidsbergen em navios pequenos.

Em 1893, Fridtjof Nansen começou sua viagem de três anos com o navio "Fram".

Em 1895, um homem de nome Richard With lançou a ideia de um passeio turístico semanal partindo de Hammerfest na Noruega para Advent Bay em Spidsbergen.

Até o início da Primeira Guerra, um grande número de navios, grandes e pequenos, visitaram os fiordes em julho e agosto de cada ano, sendo que a maior parte deste tráfego foi feito pelas companhias norueguesas, tais como: Vesteraalens Dampskibselskab, Troms Fylkes Dampskibselskab e a Nordenfjeldske Dampskibselskab, e em menor quantidade outras companhias do continente europeu com grandes navios começaram a fazer cruzeiros regulares, tais como: Lusitania, Victoria Louise, Victoria Auguste e o "SS Colúmbia" que foi o primeiro navio a carregar um carimbo retangular especial que marca o cruzeiro de Spidsbergen.

Veja a notícia do "Spidsbergen Gazette" em 1896: "... Este ano a popularidade de Spidsbergen teve um considerável aumento de destaque junto aos turistas. Além das viagens semanais de Hammerfest a Advent Bay com o navio "Lofoten" sob o comando do capitão Otto Sverdrup, observamos pequenos navios visitando Isfjorden (fiorde de gelo) e outros bonitos pontos turísticos na costa ocidental durante o verão...".

A companhia de navegação Vesteraalens Dampskibselskab (VDS), em 1896, estabeleceu uma rota de correio e emitiu dois selos particulares, um marrom de 10 Ore e outro vermelho de 20 Ore, para pagamento do transporte da mala postal local (porte da correspondência) entre Advent Bay e o continente norueguês. O rústico alojamento para turistas, construído pela companhia de navegação Vesteraalens em Advent Bay abrigou o primeiro posto de correio não oficial de Spidsbergen. Todos os cartões postais e cartas foram cancelados com um carimbo circular de borracha de ano fixo com os dizeres: "ADVENT BAY" e "1896",
e também outro carimbo de mesmo formato foi introduzido com os dizeres: "NORSKE OERNE" e "1896" para o cancelamento da correspondência dos turistas, postada a bordo, acima do norte, a companhia também emitiu envelopes com o porte postal impresso no valor de 20 ore.

Os selos foram cancelados, com os carimbos descritos acima com tinta na cor lilás azulada.

Em princípio a correspondência com estes selos turísticos tinha de ser franqueada também com os selos noruegueses (obviamente, pois os selos turísticos pagavam o porte para o continente e daí em diante, eram postados normalmente) A primeira carta postada em Advent Bay em 1896 recebeu o selo, mas não foi carimbada em Spidsbergen, só recebeu o cancelamento com o carimbo de Larvik e a data 11-09-96 e também não foi sobretaxada. Outra carta recebeu dois selos turísticos, separados, de 20 Ore, foram cancelados com o carimbo ADVENT BAY 1896 e adicionalmente a carta tem um selo do correio norueguês de 20 Ore (taxa que cobre, apropriadamente, o porte para a Alemanha, para onde foi endereçada, no período de 1º de julho de 1892 a 1º de outubro de 1907). O logotipo no canto superior esquerdo é Hamburg-Amerika Linie (Linha Hamburgo-América) e outro carimbo postal "NORDLAND POSTKSP 29-07-96". A carta chegou a Speyer em 2 de agosto de 1896. Os papeis particulares da Vesteraalens eram timbrados com o mesmo motivo da estampa turística de 20 Ore e o texto "O posto de correio mais ao norte do mundo".

Em 1897, o capitão Wilhelm Baden comandante de um navio alemão que operava no ártico produziu etiquetas com a inscrição "Artische Post" as quais foram vendidas aos seus passageiros como souvenires (cinderelas de lembrança), porém elas não tinham validade postal e não eram obrigatórias para a correspondência postada a bordo.

Bade ganhou sua primeira experiência ártica aos quinze anos, mas a sua maior aventura foi como segundo-oficial, de uma pequena goleta ou escuna denominada Hansa que acompanhava o navio Germania em uma tentativa frustrada de chegar ao Pólo Norte em 1869. Deliberadamente, o líder da expedição tentou forçar uma passagem para o norte, ao longo da costa leste da Groenlândia contra a poderosa corrente polar. A Hansa logo foi cercada e esmagada pelo gelo, com sua tripulação sendo forçada a refugiar-se em um bloco de gelo. À deriva em direção ao sul por 237 dias em um abrigo feito de destroços recuperados. Eles foram capazes de remar os seus três botes de volta a Cape Farewell onde, por sorte, encontraram um navio dinamarquês que os levou de volta para a Europa.

Destemido, Bade retornou ao ártico em várias expedições marítimas, embora seja pouco conhecido este periodo de sua vida.

Quando as autoridades postais norueguesas observaram estas estampas e etiquetas turísticas que foram introduzidas decidiram estabelecer um posto de correio sazonal, em Spidsbergen e em 18 de março de 1897 decretou: "Na estação turística deste ano será estabelecido um subposto de correio em Advent Bay, Spidsbergen, para a correspondência transportada pelos navios turísticos da Vesteraalens. O subposto estabelecido em Spidsbergen ficará subordinado ao posto de correio de Hammerfest. O subagente do correio será o gerente do alojamento de turistas, Emil Ellingsen, sem nenhum salário do correio. Com referência a estas cartas o equipamento necessário será providenciado com o agente do correio em Hammerfest." (na realidade transformou o posto de correio da Vesteraalens, que não era oficial, no primeiro posto oficial de correio de Spidsbergen). O estabelecimento do subposto foi confirmado pela circular número 19/1897.

No verão de 1897, foram providenciados dois carimbos, um cancelador/datador e um lacre, gravados por Ivar Throndsen.

Podemos ler o seguinte no magazine "POSTHORNET" número 14/1897 "Devemos observar que neste verão tem circulados selos turísticos de Spidsbergen com o objetivo de decoração nos envelopes despachados pelos navios de turistas de Spidsbergen. Estes selos são curiosidades turísticas, porém, logo cessarão".

Como este posto de correio foi dirigido somente aos turistas, este serviço só funcionou durante três verões, de 1897 a 1899.

A partir deste período, com o declínio da caça, começaram a se desenvolver as atividades de mineração que existiam em pequena escala, explorando fosfato, gesso e mármore (que não conseguiram se tornar comercialmente bem sucedidos).

Com relação ao estabelecimento das minas de carvão em Spidsbergen, a necessidade de um posto de correio tornou-se mais evidente, já que a primeira agencia no hotel turístico foi destinada a servir os turistas e só funcionou durante os três verões dos anos de 1897 a 1899. Em 30 de julho de 1906 um novo posto de correio foi aberto ao sul do hotel turístico, este posto recebeu um carimbo cancelador/datador novo, também do tipo Schweizer, com o texto “Advent Bay” em letras grandes, este posto ficou aberto, em todos os verões, até 1910. Neste ínterim, mais um posto foi aberto em Green Bay, na boca do Fjord Green, o carimbo cancelador/datador também era do tipo Schweizer com o texto “Green Bay” e a data.

Ao sul do posto de correio os alemães abriram uma mina e a denominaram Barentsburg, em homenagem ao holandês descobridor do arquipélago.

A primeira estação do telégrafo foi estabelecida em 1911, transformando o local num importante centro de comunicações.

Em 1916 um grupo de empresários comprou os direitos de mineração em Kings Bay, tendo iniciado suas operações em 1917, um posto do correio foi ali estabelecido, mas até o carimbo cancelador com o texto “Kings bay” ser entregue, por alguns meses foi usado um carimbo provisório com o número "742" e há somente uma sobrecarta conhecida com este cancelamento.

No Arquipélago do Urso, situado entre Spidsberg e a Noruega que também faz parte do Tratado de Svalbard, uma mina de carvão foi aberta em 1918 e esteve em funcionamento até 1925, este local também recebeu um carimbo cancelador, do tipo Schweizer com o texto "OSTERVAAG BJORNOYA".

Todo o correio ligado às atividades de mineração é escasso, mas o de Ostervaag Bjornoya é ainda mais escasso, já que somente é conhecida uma dúzia de sobrecartas, aproximadamente.

Por muito tempo Svalbard foi explorada como "terras comuns internacionais", uma área que não pertencia a nenhuma nação e onde qualquer um, de qualquer nacionalidade, poderia explorar os ricos recursos naturais. A época da caça à baleia e a caça terrestre com armadilhas, para a maioria, foram realizadas em termos relativamente calmos, mas, quando as atividades de mineração e prospecção aumentaram muito e diversos conflitos foram criados a respeito das reinvindicações aos direitos minerais e aos depósitos de carvão, houve uma grande necessidade de uma autoridade reguladora para a lei e a ordem no arquipélago que tinha sido até agora “terra de ninguém”.

Em negociações em Paris, em nove de fevereiro de 1920, decidiu-se que a Noruega deve ter a soberania sobre o arquipélago e o tratado de Svalbard foi assinado pelos 9 países participantes. Hoje 42 países já assinaram o tratado. O tratado indicou que a Noruega tem a soberania plena, mas os cidadãos dos países signatários tem o direito de realizar atividades comerciais ou mineiras no arquipélago. Svalbard é declarada zona livre de taxas e a Noruega só pode coletar um imposto para as necessidades locais. Este tratado original foi executado em 1º de agosto de 1925 e a bandeira norueguesa foi içada em todos os mastros do arquipélago.